Resenha #2 – Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., 1950)

Pra mim, “Crepúsculo dos Deuses” não é só um dos melhores filmes noir, nem só um dos melhores filmes sobre a própria indústria cinematográfica, nem só um dos melhores filmes de Billy Wilder.  É, isso sim, um dos melhores filmes de todos os tempos.

 

De início, assume deliberadamente uma estrutura narrativa de filme noir.  Temos um narrador e temos um homem morto na piscina de uma mansão decadente.  Logo em seguida ficamos sabendo que são a mesma pessoa:  Joe Gillis, um roteirista falido, mais uma vítima da indústria de sonhos de Hollywood.  A partir daí, Gillis vai nos contar como chegou àquela peculiar situação.

 

Este detalhe (o do morto que narra) é um dos muitos pontos fascinantes do filme.  Gosto de imaginar que Billy Wilder e Charles Bracket, os roteiristas, teriam lido as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do ‘nosso’ Machado de Assis.  Acho improvável, mas me divirto com essa idéia.

 

No tema, entretanto, o filme afasta-se do noir:  ainda que tenhamos o protagonista “condenado” de início e a mulher fatal (neste caso, não sexualmente, mas com uma forma diferente de dominação), o tema central é a crítica à própria indústria cinematográfica, capaz de produzir verdadeiros deuses, bem como de relegá-los ao mais completo esquecimento.

 

Norma Desmond é a prova viva disso.  Estrela do Cinema mudo, atingira seu auge há mais de vinte anos.  Sua decadência veio junto com o advento do som.  Vive há “milênios” reclusa em sua mansão decadente e repleta de quinquilharias démodé, recordações de uma era que não volta mais.  Vive, quase insana, trancafiada não só fisicamente, em sua mansão.  Está trancafiada também em suas ilusões, em suas esperanças de um grande retorno às telas, que não vai acontecer.  Suas esperanças são alimentadas pelas centenas de cartas de fãs que ainda recebe, sem querer perceber que são enviadas pelo seu mordomo Max. Tudo o que se refere à Norma é decadente:  suas roupas, seu automóvel, sua mansão, sua mobília, suas idéias.  É um ambiente angustiante.

 

Max também é um personagem importantíssimo no filme.  Mais que um mordomo, como ficaremos sabendo quase no final do filme, ele é um fiel escudeiro de Norma Desmond, cuja principal função é fazer de tudo para mantê-la imersa em suas ilusões.

A presença de alguns personagens reais desse drama torna o filme ainda mais interessante.  Norma Desmond é interpretada de forma magnífica por Gloria Swanson.  É quase um personagem real.  Swanson foi, efetivamente, uma das grandes divas do Cinema mudo, atingindo o auge de sua carreira em meados dos anos 20.  Deixou de fazer filmes em 1934, sem nunca ter se adaptado plenamente aos filmes falados.  Ensaiou alguns retornos, sem sucesso (exceto, claro, pelo próprio “Crepúsculo dos Deuses”, que lhe valeu indicação ao Oscar).

 

Max é interpretado por Erich von Stroheim, diretor de um dos filmes mais importantes dos anos 20, “Greed”, e que não dirigia desde 1933, embora aparecesse como ator com alguma freqüência. Além disso, temos a presença de Cecil B. De Mille, interpretando ele mesmo, um diretor antigo, ainda fazendo sucesso, quase uma “ponte” entre as duas eras.  Por piedade e respeito ao passado da antiga estrela, ele evita destruir os devaneios de um possível retorno.

Entre os “bonecos de cera”, como Joe Gillis chama os amigos de Norma, antigos atores, que se reúnem ocasionalmente para uma partida de bridge, estão H. B. Warner (ator que interpretou Cristo na primeira versão de Rei dos Reis, dirigida em 1927 pelo próprio De Mille) e Buster Keaton.

 

O filme teve simplesmente 11 indicações ao Oscar, incluindo todas as principais categorias (filme, diretor, ator – William Holden, ator coadjuvante – Erich von Stroheim, atriz – Gloria Swanson e atriz coadjuvante – Nancy Olson), mas levou apenas 3 (roteiro, direção de arte e música).

por Alexandre Cataldo

10 comentários sobre “Resenha #2 – Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., 1950)

  1. Realmente este filme é uma obra-prima, cada vez que eu assisto eu descubro algum detalhe sobre a direção do Billy Wilder. Que fala sobre o próprio cinema, com alguns elemento de film-noir, não sei se este filme é o mais lembrado deste diretor, acho que o púbico no geral se lembra mais das comédias.

    Curtido por 1 pessoa

    • Do wilder eu consegui passar o rodo, vi todos e acho que este é um dos melhores mesmo. Gosto muito de Pacto de Sangue, A Montanha dos Sete Abutres…. Esse aqui tem o “extra” de ter a metalinguagem…

      Curtir

    • Renata, se entendi sua pergunta você pergunta como baixar os episódios de nosso cast? Se sim, basta entrar em cada episódio pelo menu “Episósdios” e clicar no link que tem abaixo de cada player disponivel em cada página dos episódios.

      No caso aqui de “Crepúsculo dos Deuses”, é só uma resenha, ainda não fizemos um episódio isolado do filme, maas em breve começaremos uma série da filmografia de Billy Wilder que conterá “Crepúsculo dos Deuses”.

      Curtir

  2. O típico e verdadeiro retrato de Hollywood e o que fazem com seu elenco de uma forma desumana.Wilder fez o filme mais lembrado de sua carreira.Buster Keaton ainda chegou a participar de alguns filmes até o fim de sua vida.O papel que foi para Holden na verdade foi pensado para Montgomery Clift,que recusou.A decadência de uma grande era que era a era do cinema mudo.Enfim o melhor retrato sobre a verdadeira Hollywood e o que ela faz com seu elenco.

    Curtido por 1 pessoa

  3. Tá, agora entendi o porque falam tão bem desse filme. Filmaço, e quando o narrador do filme passou a falar dele mesmo depois de morto, como você pensei automaticamente em Brás Cubas. A atuação de Glória foi intensa, mas para mim o melhor do filme foi o William Holden, a dor dele, o amargor, o cinismo, a forma como ele descrevia as cenas e aquilo que estava sentido, foi intenso, e forte, me identifiquei com ele, sinto que mais e mais caminho para esse cinismo amargo.

    Curtido por 1 pessoa

Deixe aqui sua opinião sobre isso!