Resenha #23 – Ricardo III – Um Ensaio (Looking For Richard, 1996)

O filme de Al Pacino, intitulado no Brasil, “Ricardo III – Um Ensaio”, tem muito mais sentido de ser analisado a partir de seu título original: “Looking for Richard”. O que o diretor/ator faz nesta mistura de documentário com ficção é uma busca pela compreensão da obra de Shakespeare a partir da escolha de um de seus personagens mais marcantes, numa das peças mais ensaiadas do escritor inglês: Ricardo III.  Pacino se propõe através de seu filme, a se aproximar de Shakespeare, autor que ele admira, mas que sabe ser pouco popular entre os americanos, por entender que estes têm (por algum motivo que ele investiga), dificuldade em entender as obras de Shakespeare. Seriam os diálogos? Seriam os personagens?

 

Pacino, ao mesmo tempo em que nos coloca esta busca por um estreitamento com o tema, nos propõe um estreitamento entre teatro shakespeariano e o cinema, já que a peça Ricardo III é aos poucos “representada” diante das câmeras.  Ao mesmo tempo em que sentimos a presença de uma encenação caracteristicamente teatral, fica evidente o uso de recursos estritamente cinematográficos para se contar a história, como diversos pontos de vista e a criação de idéias através da montagem, só para citar alguns exemplos.

 

A conjunção entre cinema e teatro shakespeariano foi marcada por diversas vezes durante a história do cinema, e grandes nomes da cinematografia mundial se adentraram neste mundo particular da literatura inglesa. Para citar alguns: Orson Welles filmou Macbeth, Othelo, Falstaff e O Mercador de Veneza (para a TV); Laurence Olivier foi um grande ator Shakespeariano, mas dirigiu Hamlet, Henrique V e Ricardo III; Kenneth Brannagh, outro ator inglês, se aventurou dirigindo Hamlet, Henrique V, Muito Barulho por Nada, “Love’s Labour’s Lost” e “As You Like It”; Peter Brook fez Rei Lear para o cinema e Hamlet e “Mesure pour mesure” para a TV; Franco Zefirelli ficou notório por seu Romeu e Julieta, mas também dirigiu Hamlet, Otello e A Megera Domada no cinema; e por fim cabe destacar duas das melhores adaptações feitas por um diretor para as peças do inglês, realizadas curiosamente por um oriental: Akira Kurosawa dirigiu Ran (adaptando Rei Lear), Trono Manchado de Sangue (adaptado de Macbeth) e ainda se baseou em Hamlet para realizar o excelente Homem Mau Dorme Bem.

 

A diferença neste filme de Pacino é justamente a compreensão de que é o personagem a base para se representar Shakespeare de uma forma mais acessível para o público contemporâneo. Esta abordagem fica clara no filme, quando usando um método típico do “Actor´s Studio”, os atores se reúnem em volta de uma mesa e começam a discutir os momentos chaves da peça, a construção de seus personagens, os possíveis significados para algumas passagens e diálogos, enfim, trabalham para “desconstruir”. A proposta de Pacino, que levou quatro anos para concluir este documentário, não é chegar ao fim do filme com uma peça ensaiada ou mais um filme baseado numa peça shakespeariana. Seu objetivo é atingido em sua busca por tornar o autor mais palatável para uma nova espécie de público, pouco acostumado com o texto escrito e ainda menos confortável quando este tem uma suposta construção prolixa. Tanto se faz verdadeira esta afirmação, que o documentário não se esforça para exibir todas as passagens da peça de Shakespeare: ao invés disso, nos mostra apenas o que a equipe acha ser o necessário para se tornar clara a qualidade da peça e as intenções por trás desta obra de Shakespeare. E desta forma, o filme funciona perfeitamente.

por Fred Almeida

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