
A cada vez que revejo “A Montanha dos Sete Abutres”, menos encontro sinais positivos na moral de seus personagens e mais aprecio esta obra sombria do mestre Billy Wilder. Muitas vezes esquecido entre seus filmes mais famosos como “Crepúsculo dos Deuses” e “Pacto de Sangue” ou mais leves como “Quanto Mais Quente Melhor” e “Sabrina”, este clássico de 1951, que se chamou originalmente de Ace in the Hole, não faz concessões quando o assunto é a redenção de seus personagens.
O repórter “Chuck” Tatum chega numa cidade pequena dos EUA obcecado por um furo de reportagem que o catapulte de volta à Nova York, de onde saiu expulso por conta de seu temperamento e bebedeira. Kirk Douglas, numa de suas melhores atuações (injustamente nem sequer indicada ao Oscar), faz o papel do jornalista sórdido e ganancioso, disposto a esbofetear mulheres, socar policiais e manipular a vida de um pobre coitado que ficou preso numa montanha condenada por uma maldição indígena. Ele se apodera da história e do alto de sua pretensão, imagina que o que irá escrever nas páginas de seu jornal se tornará a realidade de fato, mas se esquece que a vida real tem seus próprios planos e regras, nem sempre condizentes com suas vontades egoístas. Ao longo de sua trajetória gananciosa, ele arrasta a mulher do homem soterrado (Jan Sterling, a esposa entediada e pronta pra uma aventura fora do casamento) e um jovem fotógrafo (Robert Arthur) que o tem como um herói e modelo na profissão. Tatum também corrompe o engenheiro encarregado do resgate e o xerife da região, que aceita os termos do jornalista em troca de propaganda que ajude na sua reeleição.
Na esteira dos eventos vem o povo ávido por acompanhar de perto a tragédia do homem enterrado vivo na montanha (Richard Benedict, que atua o tempo inteiro deitado sob escombros) e transforma o local num grande circo (daí porque o filme foi uma vez renomeado para The Big Carnival, numa tentativa desesperada dos produtores de relançar o filme e obter sucesso comercial). Este mesmo povo é o que consome as matérias distorcidas e sensacionalistas cuspidas pela máquina de escrever de “Chuck” Tatum.
Billy Wilder, Lesser Samuels e Walter Newman assinam o roteiro que se baseia na história real de Floyd Collins, explorador do Kentucky que em 1925 morreu soterrado numa caverna, gerando comoção no país quando foi capa de jornal e notícia de rádio por todo território americano. Mas no filme, Billy Wilder utiliza essa premissa para mostrar o lado mais sórdido do ser humano, ataca a “imprensa marrom” e o que é mais ousado – o homem comum, que tem seu papel importante no grande circo criado pelos tablóides. Talvez por isso, o filme tenha sido esnobado na época, se tornando no primeiro fracasso de público e crítica sofrido por Billy Wilder em sua carreira. Por outro lado, que bom que o diretor teve a coragem e uma certa liberdade para realizar este excepcional film noir, bastante atual até hoje e que à época introduziria o tom para os filmes do gênero que viriam a seguir na década de 50.
Este não é um filme para se ver esperando a salvação de seus personagens ou a catarse que fará nos sentirmos melhores como membros da raça humana. Mas é um filme para nos fazer refletir sobre nosso papel e ambições dentro da sociedade em que vivemos. Ou será que como Tatum diz, não temos nossa parcela de culpa porque “não colocamos o homem lá”?
por Fred Almeida